Recorrendo frequentemente a processos e técnicas pouco convencionais na dissecção de elementos vários do espaço urbano (materiais e humanos) com o objectivo de examinar a natureza das sociedades urbanas contemporâneas, Alexandre Farto (n. 1987) tem feito da fértil complexidade da cidade moderna o tema central de uma obra que tem vindo a afirmar-se como uma asserção artística significativa sobre a condição humana presente.
Intrínseco é uma reflexão na forma de uma instalação que ocupa o espaço da galeria com um conjunto de peças produzidas em placas de PVC flexível e transparente suspensas do tecto, as quais configuram uma representação interactiva que permite ao observador deambular por entre os vários componentes cénicos que a constituem. Cada uma destas peças apresenta uma composição visual impressa com vários motivos – incluindo rostos, padrões gráficos e geométricos, paisagens urbanas, ou elementos de sinalização –, isolados ou em aglutinação dissonante.
Na medida em que a disposição das...peças e a sua natureza transparente permitem agregar e combinar elementos de acordo com o ponto de vista do observador, a instalação revela-se como uma experiência mutante onde cada um poderá formar diferentes leituras com várias profundidades em função da sua própria percepção e do seu posicionamento no espaço cénico. A própria diferenciação entre a cor preta dominante presente nas composições estruturais, e as cores berrantes dos motivos de sinalização, cria uma outra leitura de contrastes, onde o choque visual nos transmite a estridência de estímulos colidentes a que estamos constantemente sujeitos no espaço público.
O conjunto temático aqui disposto é fruto de uma recolha de retratos e elementos visuais oriundos de vários pontos do mundo onde o artista tem trabalhado, criando por sua vez um diálogo de semelhanças e contrastes que funciona por justaposição e sobreposição e que compõe uma narrativa que nos fala de encontros e desencontros entre especificidades locais e a crescente uniformização do mundo actual.
Se a leitura dos conteúdos nos remete para vários dos elementos que actuam sobre a identidade individual nas sociedades urbanas contemporâneas (tal como o ruído visual que encontramos no espaço da cidade), a disposição espaçada das formas expressa uma materialização do conceito de camadas constituintes que tem sido transversal à obra de Alexandre Farto. Com um toque humano muito filtrado, Intrínseco é, pois, uma reflexão sobre aquilo que nos compõe e sobre aquilo que nos rodeia num mundo crescentemente artificial, cada vez mais afastado da nossa própria essência.
Como o próprio artista afirma:
“Intrínseco é uma reflexão sobre a nossa superfície. Aquilo que é opaco e aquilo que é transparente. O que nos permite ver e o que nos permite absorver ou ser absorvido. O constante fluxo de influências nos tempos que vivemos, em que nada daquilo que nos forma, nos faz ser. O vazio daquilo que nos constitui e nos forma. A reflexão de um mundo global que tanto nos dá e que no final nos torna transparentes e nos confunde. O acumular de camadas que nos tentam constituir acaba por desconstituir. Do colectivismo ao individualismo. Do visceral e a sua relatividade. Do que abdicamos em nome do nosso conforto.”
Miguel Moore
Janeiro 2018
Entrada actualizada el el 26 ene de 2018
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